INTRODUÇÃO
A distinção entre direito objetivo e subjetivo é extremamente sutil na medida em que estes correspondem a dois aspectos inseparáveis: o direito objetivo nos permite fazer algo porque temos o direito subjetivo de fazê-lo. Realmente, como efeito primordial da norma jurídica está o de atribuir a um sujeito uma existência ou pretensão contra outro sujeito, sobre quem impende, por isso mesmo, uma obrigação, ou seja, um dever jurídico. Mas à pretensão atribuída pelo Direito chama-se também direito. O significado da palavra não é o mesmo em ambos os casos: no primeiro, corresponde à norma da coexistência – ou direito em sentido objetivo; no segundo caso, corresponde à faculdade de pretender – ou direito em sentido subjetivo.
Temos aqui uma plurivalência semântica, pois a palavra direito ora significa o direito positivo vigente, ou melhor, o ordenamento jurídico vigente em determinado Estado, ora significa o poder que as pessoas têm de fazer valer seus direitos individuais. No primeiro caso falamos de direito objetivo, enquanto no segundo, de direito subjetivo. Na verdade, como informa o professor Caio Mário, “direito subjetivo e direito objetivo são aspectos de conceito único, compreendendo a facultas e a norma os dois lados de um mesmo fenônemo, os dois ângulos de visão do jurídico. Um é o aspecto individual, outro o aspecto social”.
A aparente dificuldade na conceituação do direito objetivo e do direito subjetivo decorre mais da inexistência em nossa língua, como aliás na maioria delas, de palavras diversas para explicar cada uma das visões do direito. Tal dificuldade não atinge, por exemplo, os ingleses e os alemães. De fato, na língua inglesa usa-se law para designar o direito objetivo, a norma agendi, e right para se referir ao direito subjetivo, a facultas agendi, enquanto os alemães, para se referirem ao direito objetivo, utilizam-se do vocábulo Recht e, para designar o direito subjetivo, usam a palavra Gesetz.
Para Ruggiero o “direito objetivo pode definir-se como o complexo das regras impostas aos indivíduos nas suas relações externas, com caráter de universalidade, emanadas dos órgãos competentes segundo a constituição e tornadas obrigatórias mediante a coação”. O direito subjetivo é o poder que as pessoas têm de fazer valer seus direitos individuais.
NOÇÃO DE DIREITO OBJETIVO
2.1 Noção e Delimitação do Direito Objetivo
O Direito objetivo é o conjunto de normas que o Estado mantém em vigor. É aquele proclamado como ordenamento jurídico e, portanto, fora do sujeito de direitos. Essas normas vêm através de sua fonte formal: a lei. O direito objetivo constitui uma entidade objetiva frente aos sujeitos de direitos, que se regem segundo ele.
Ao falar-se em direito objetivo cria-se desde já uma delimitação entre algo e outra coisa que se lhe contrapõe. Na verdade, ao se referir a direito objetivo, três grandes delimitações se procuram fazer no decorrer da história: a diferença entre o direito divino e o direito dos homens; a referência ao direito meramente escrito, constante das leis; ao direito com plena eficácia jurídica; e, finalmente, a delimitação entre o direito objetivo ( norma agendi ) e o direito subjetivo ( facultas agendi ).
No princípio não havia plena consciência da diferença entre o direito divino e o direito dos homens. Todo direito era fruto do direito dos deuses, ou dos homens como seus mandatários. Tal unificação foi cedendo, já no pensamento grego, e cresceu e se desenvolveu com o cristianismo: umas leis são dos Césares, outras de Cristo, na expressão de São Jerônimo.
Numa visão mais moderna, o direito positivo se apresenta como o conjunto das regras vigentes em um determinado sistema jurídico, emanadas de uma autoridade estatal. A este se contrapõe o direito natural, que deve inspirar o direito objetivo. Com essa visão temos Castro y Bravo, que o conceitua “como a ‘regulamentação organizadora de uma comunidade, legitimada por sua harmonia com o direito natural’. Se recolhem como características do direito positivo: seu caráter específico de eficácia, de organizador e criador de uma realidade social ( a ordem jurídica ), e, portanto, a necessidade de sua vigência ( validade jurídica ); sua subordinação em relação à lei eterna de Justiça, que exige seu próprio caráter de direito, isto é, a necessidade de sua legitimidade; por último, se indica na definição que se compreende dentro do conceito amplo de direito positivo a todos os atos que tenham tais características, sejam ou não normas jurídicas”.
2.2 Direito Objetivo como Norma de Conduta
O direito objetivo, através das normas, determina a conduta que membros da sociedade devem observar nas relações sociais. Mas não devemos confundir a norma propriamente dita com a lei, pois a norma é o mandado, a ordem, com eficácia organizadora, enquanto a lei é o signo, o símbolo mediante o qual se manifesta a norma. Poderíamos dizer simbolicamente que a norma é a alma, enquanto a lei o corpo.
Alguns autores, como Allara, reputam insuficiente conceituar-se o direito objetivo como norma de conduta, preferindo caracterizá-la como norma de organização dos poderes públicos. Uma visão intermediária do direito objetivo lhe atribui dois objetos: um interno e outro externo. O objeto interno consiste em que o direito objetivo disciplina a organização social, isto é, os órgãos e os poderes que exercem a autoridade pública, as relações entre as várias autoridades, enfim, a formação e a ação da máquina do Estado. Já o objeto externo se caracteriza pelo fato de que o direito objetivo regula a conduta externa dos homens nas sua relações recíprocas.
2.2 A Ordem Jurídica
As normas, como as pessoas, não vivem isoladas, mas em conjunto, interagindo, o que faz surgir a ordem normativa ou ordem jurídica, que pode ser conceituada como um conjunto de normas vigentes em determinada sociedade.
2.3 A Origem do Direito Objetivo
Para alguns , a norma agendi ( direito objetivo ) teria sua origem no Estado, como preconizam Hegel, Ihering e toda a corrente alemã do direito positivo escrito; para outros, o direito objetivo resulta do espírito do povo; outros pensam que sua origem está no desenvolvimento dos fatos históricos, e temos aí os defensores da escola histórica do Direito; e, finalmente, ainda há os que defendem que o direito positivo tem sua origem na própria vida social, como os defensores da escola sociológica.
Comentando a fonte do direito objetivo, e analisando a teoria que defende a exclusiva estatalidade do direito, Ruggiero afirma que todo direito positivo ( direito objetivo ) é estatal e exclusivamente estatal, visto que nenhum outro poder, fora do que é constitucionalmente soberano, pode ditar normas obrigatórias e muni-las de coação. Tal idéia se desenvolveu com a nova estrutura dos Estados modernos, com a conseqüente divisão dos poderes, e, portanto, com a atribuição ao poder legislativo do poder de criar o direito objetivo, bem como em conseqüência da codificação desenvolvida no século XIX.
Logo, segundo a ordem constitucional de cada Estado, cabe dizer qual o órgão com poder para criar e estabelecer o direito positivo. O princípio geral é o de que se a norma provém de um órgão incompetente, não é obrigatória e não constitui, portanto, Direito.
2.4 O Direito Objetivo deve ser Justo
A noção de direito objetivo não pode estar divorciada da noção de justiça, expressa no velho ditado dar a cada um o que é seu. O direito objetivo, como conjunto de normas vigentes em determinado momento histórico numa determinada sociedade, deve ser necessariamente também a noção de justo nesse mesmo momento histórico e nessa sociedade. Como afirma Cossio, quando essa definição não coincide com as verdadeiras exigências da justiça, o direito deixa de ser o Direito, e o direito positivo, ao ser injusto, torna-se um falso direito. Não basta, portanto, que a norma positiva haja sido ditada por um poder formalmente competente, por exemplo, um Parlamento, mas sim, que seja justa, inspirada no bem comum.
DIREITO SUBJETIVO
3.1 Generalidades
Enquanto para muitos autores a distinção entre o Direito objetivo e o subjetivo era familiar aos romanos, Michel Villey defende a tese de que para o Direito Romano clássico, o seu de cada um era apenas o resultado da aplicação dos critérios da lei, “uma fração de coisas e não um poder sobre as coisas”. Para o ilustre professor da Universidade de Paris, “o jus é definido no Digesto como o que é justo ( id quod justum est ) ; aplicado ao indivíduo, a palavra designará a parte justa que lhe deverá ser atribuída ( jus suum cuique tribuendi ) em relação aos outros, neste trabalho de repartição ( tributio ) entre vários que é a arte do jurista”.
A idéia do direito como atributo da pessoa e que lhe proporciona benefício, somente teria sido claramente exposta, no século XIV, por Guilherme de Occam, teólogo e filósofo inglês, na polêmica que travou com o Papa João XXII, a propósito dos bens que se achavam em poder da Ordem Franciscana. Para o Sumo Pontífice, aqueles religiosos não eram proprietários das coisas, não obstante o uso que delas faziam há longo tempo. Em defesa dos franciscanos, Guilherme de Occam desenvolve a sua argumentação, na qual se distingue o simples uso por concessão e revogável, do verdadeiro direito, que não pode ser desfeito, salvo por motivo especial, hipótese em que o titular do direito poderia reclamá-lo em juízo. Occam teria, assim, considerado dois aspectos do direito individual: o poder de agir e a condição de reclamar em juízo.
No processo de fixação do conceito de direito subjetivo, foi importante a contribuição da escolástica espanhola, principalmente através de Suárez, que definiu como “o poder moral que se tem sobre uma coisa própria ou que de alguma maneira nos pertence”. Posteriormente, Hugo Grócio admitiu o novo conceito, também aceito por seus comentaristas Puffendorf, Feltmann, Thomasius, integrantes da Escola do Direito Natural. É reconhecida especial importância à adesão de Christian Wolf ( 1679-1754 ) ao novo conceito, sobretudo pela grande penetração de sua doutrina nas universidades européias.
3.2 A Natureza do Direito Subjetivo – Teorias Principais
1. Teoria da Vontade – Para Bernhard Windscheid ( 1817–1892 ), jurisconsulto alemão, o direito subjetivo “é o poder ou senhorio da vontade reconhecido pela ordem jurídica”. O maior crítico dessa teoria foi Hans Kelsen, que através de vários exemplos a refutou, demonstrando que a existência do direito subjetivo nem sempre depende da vontade de seu titular. Os incapazes, tanto os menores como os privados de razão e os ausentes, apesar de não possuírem vontade no sentido psicológico, têm direito subjetivo e os exercem através de seus representantes legais. Reconhecendo as críticas, Windscheid tentou salvar a sua teoria, esclarecendo que a vontade seria a da lei. Para Del Vecchio, a falha de Windscheid foi a de situar a vontade na pessoa do titular in concreto, enquanto que deveria considerar a vontade como simples potencialidade. A concepção do jusfilósofo italiano é uma variante da teoria de Windscheid, pois também inclui o elemento vontade ( querer ) em sua definição: “a faculdade de querer e de pretender, atribuída a um sujeito, à qual corresponde uma obrigação por parte dos outros.”
2. Teoria do Interesse – Rudolf von Ihering ( 1818–1892 ), jurisconsulto alemão, centralizou a idéia do direito subjetivo no elemento interesse, afirmando que direito subjetivo seria “o interesse juridicamente protegido. As críticas feitas à teoria da vontade são repetidas aqui, com pequena variação. Os incapazes, não possuindo compreensão das coisas, não podem chegar a ter interesse e nem por isso ficam impedidos de gozar de certos direitos subjetivos. Considerado o elemento interesse sob o aspecto psicológico, é inegável que essa teoria já estaria implícita na da vontade, pois não é possível haver vontade sem interesse. Se tomarmos, porém, a palavra interesse não em caráter subjetivo, de acordo com o pensamento da pessoa, mas em seu aspecto objetivo, verificamos que a definição perde em muito a sua vulnerabilidade. O interesse, tomado não como “o meu”ou “o seu”interesse, mas tendo em vista os valores gerais da sociedade, não há dúvida de que é elemento integrante do direito subjetivo, de vez que este expressa sempre interesse de variada natureza, seja econômica, moral, artística etc. Muitos criticam ainda esta teoria, entendendo que o seu autor confundiu a finalidade do direito subjetivo com a natureza.
3. Teoria Eclética – Georg Jellinek ( 1851-1911 ), jurisconsulto e publicista alemão, considerou insuficientes as teorias anteriores, julgando-as incompletas. O direito subjetivo não seria apenas vontade, nem exclusivamente interesse, mas a reunião de ambos. O direito subjetivo seria “o bem ou interesse protegido pelo reconhecimento do poder da vontade”. As críticas feitas isoladamente à teoria da vontade e à do interesse foram acumuladas na presente.
4. Teoria de Duguit – Seguindo a linha de pensamento de Augusto Comte, que chegou a afirmar que “dia chegará em que nosso único direito será o direito de cumprir o nosso dever... Em que um Direito Positivo não admitirá títulos celestes e assim a idéia do direito subjetivo desaparecerá...”, Léon Duguit ( 1859-1928 ), jurista e filósofo francês, no seu propósito de demolir antigos conceitos consagrados pela tradição, negou a idéia do direito subjetivo, substituindo-o pelo conceito de função social. Para Duguit, o ordenamento jurídico se fundamenta não na proteção dos direitos individuais, mas na necessidade de manter a estrutura social, cabendo a cada indivíduo cumprir uma função social.
5. Teoria de Kelsen – Para o renomado jurista e filósofo austríaco, a função básica das normas jurídicas é a de impor o dever e, secundariamente, o poder de agir. O direito subjetivo não se distingue, em essência, do Direito objetivo. Afirmou Kelsen que “o direito subjetivo não é algo distinto do Direito objetivo, é o Direito objetivo mesmo, de vez que quando se dirige, com a consequência jurídica por ele estabelecida, contra um sujeito concreto, impõe um dever, e quando se coloca à disposição do mesmo, concede uma faculdade”. Por outro lado, reconheceu no direito subjetivo apenas um simples reflexo de um dever jurídico, “supérfluo do ponto de vista de uma descrição cientificamente exata da situação jurídica”.
3.3 Classificação dos Direitos Subjetivos
A primeira classificação sobre o direito subjetivo refere-se ao seu conteúdo, figurando, como divisão maior, a relativa do Direito Público e Direito Privado.
1. Direitos Subjetivos Públicos – O direito subjetivo público divide-se em direito de liberdade, de ação, de petição e direitos políticos. Em relação ao direito de liberdade, na legislação brasileira, como proteção fundamental, há os seguintes dispositivos:
a) Constituição Federal: item II do art. 5º - “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” ( princípio denominado por norma de liberdade);
b) Código Penal: art. 146, que complementa o preceito constitucional – “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda – pena...” ( delito de constrangimento ilegal );
c) Constituição Federal: item LXVIII do art. 5º - “Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”
O direito de ação consiste na possibilidade de se exigir do Estado, dentro das hipóteses previstas, a chamada prestação jurisdicional, isto é, que o Estado, através de seus órgãos competentes, tome conhecimento de determinado problema jurídico concreto, promovendo a aplicação do Direito.
O direito de petição refere-se à obtenção de informação administrativa sobre o assunto de interesse do requerente. A Constituição Federal, no item XXXIV, a, do art. 5º, prevê tal hipótese. Qualquer pessoa poderá requerer aos poderes públicos, com direito à resposta.
CONCLUSÃO
O Direito objetivo ( norma agendi ) é o conjunto de normas que o Estado mantém em vigor. É proclamado como o ordenamento jurídico e está fora do sujeito de direitos. O Direito objetivo, através de normas, determina a conduta que os membros da sociedade devem observar nas relações sociais. Mas, as normas, tal qual as pessoas, não vivem isoladamente, e como conseqüência temos um conjunto normativo que dá origem ao denominado ordenamento jurídico ou ordem jurídica. O Direito objetivo provém de um órgão estatal competente ( legislativo ). Mas, apesar disso, a noção de direito objetivo está intimamente ligada à noção do justo. De fato, o direito objetivo deve ser justo, o que se expressa no princípio: dar a cada um o que é seu.
Para alguns , a norma agendi ( direito objetivo ) teria sua origem no Estado, como preconizam Hegel, Ihering e toda a corrente alemã do direito positivo escrito; para outros, o direito objetivo resulta do espírito do povo; outros pensam que sua origem está no desenvolvimento dos fatos históricos, e temos aí os defensores da escola histórica do Direito; e, finalmente, ainda há os que defendem que o direito positivo tem sua origem na própria vida social, como os defensores da escola sociológica.
Doutrinariamente várias são as correntes que procuram fundamentar o direito subjetivo ( facultas agendi ). Dentre elas se destacam;
as doutrinas negadoras do direito subjetivo, como as de Duguit e Kelsen;
a doutrina da vontade, formulada por Windscheid, e considerada “clássica”, por alguns autores;
a doutrina do interesse ou do interesse protegido, proposta por Ihering;
as doutrinas mistas ou ecléticas, que procuram explicar o direito subjetivo pela combinação dos dois elementos “vontade” e “interesse” como fazem Jellinek, Michoud, Ferrara e outros.
O direito subjetivo apresenta como suas características ser um poder e um poder concreto.
O direito subjetivo é a possibilidade de atuação legal, isto é, uma faculdade ou um conjunto de faculdades vinculadas à decisão do seu titular, na defesa de seus interesses, dentro do autorizado pelas normas e nos limites do exercício fundados na boa-fé.